terça-feira, 28 de novembro de 2017

As músicas do 2h39 em Florença.

Neste último domingo tive o privilégio de competir em uma das mais belas cidades do Mundo (e pessoalmente uma das minhas favoritas), Florença.

Incrível que, apesar do frio, da (muita!) chuva, e da "baixa temporada", Florença ainda estava lotada de turistas neste fim de semana.

Quase 10 mil atletas de todos os cantos do mundo, sobretudo Europeus, em percurso especial, que realmente passa pelos principais pontos da cidade.

A prova foi uma verdadeira saga épica debaixo de muita chuva. Uma luta mental não só contra as dores musculares tradicionais de uma Maratona, mas contra o frio. Cada hora que passava, a temperatura caía (a madrugada de domingo para segunda seria a primeira com temperaturas negativas do inverno).

Foi uma prova em que precisei delas mais que nunca - músicas.

Precisei muitas vezes desconectar da realidade, e o motivo foi o frio.

Tomei a decisão antes da largada (a chuva começou literalmente no tiro de largada!) de correr de regata e bermuda.

Nem preciso dizer que paguei um preço bem caro. Terminei e fui direto para a tenda médica, que no caso, era a "tenda da hipotermia". Foi bem assustador porque perdi completamente o controle do meu corpo, e não conseguia parar de tremer.

Deram-me um chá quente - mas eu não conseguia beber porque não conseguia segurar o copo sem tremer e espalhar o líquido. Por alguns minutos, eu parecia um bebê. Levavam o chá quente até a boca para que bebesse, enquanto era enrolado em cobertores e papel alumínio, o qual foi preso com esparadrapo ao corpo desprovido de qualquer capacidade de auto-controle.

Mais assustador foi ter visto muita gente em estado pior. Alguns delirando. Médicos realmente apressados e com olhares assustados. Aprendi que com hipotermia não se brinca. Felizmente, foi só um susto. Depois de uns 15 minutos na tenda médica, estava recuperado e pude caminhar até o guarda volumes e trocar de roupa.

2h39 antes de cruzar a linha de chegada e partir para a tenda médica, os primeiros acordes de Start me Up soavam junto com o tiro de largada e a chuva, e eu partia animado, guiado por uma trilha sonora que seguia animada, com What's my Age Again? e Carousel, clássicos do Blink 182, e Thunderstruck, do AC/DC.
Rápido. Talvez rápido demais.

Com Ich Will (Rammstein) eu me concentro no ritmo. Tento ser o mais exato possível. Starlight (Muse) eu canto junto - "I will be chasing the startlight, until the end of my life...". É para isso que vim aqui hoje!

Caramba, como está frio. Acho que a primeira vez que penso isso é no KM 10.

Volta. Volta pra prova. Hora de ser otimista - vamos de Mr. Brightside (The Killers)

Em torno do KM 15, ainda fácil de correr, e passando por um belo parque de Florença junto de um pelotão, é um petardo atrás do outro para não deixar o ritmo cair. Nemo (Nightwish), The Kids Aren't Alright (Offspring), Holiday (Green Day).

É possível que a altura da Meia-Maratona tenha sido meu pior momento na prova. Estou com muito frio, e penso pela primeira vez que talvez eu "vá quebrar e terminar me arrastando".

Não à toa, é hora de Highway to Hell (AC/DC). Race with the Devil (Girlschool). Devil in I (Slipknot).
Reconecto-me com minha adolescência em Always (Blink 182) e Mulher de Fases (Raimundos).

Tento pegar as balas de gelatina que havia trazido no bolso do calção (minha dose de açúcar!), mas eu não consigo. Meus dedos estão endurecidos demais. Frio, frio, frio.

Uso minha arma secreta - minha música número 1 de todos os tempos, e que me leva a um outro lugar. Tonight Tonight (Smashing Pumpkins).

De volta a prova, Leve-me Pra Onde eu Quero Estar (da banda de um amigo de Floripa chamada Não Contém Glúten), eu canto para minhas próprias pernas.

Alive (Pearl Jam) chega no momento certo. Perto do 35. Está doendo, e estou com muito frio, mas por algum motivo, eu não quebrei ainda. Vou indo. Só mais um, só mais um.

Com Pain (Three Days Grace), eu canto que "prefiro sentir a dor, do que não sentir nada".

Till I Collapse (Eminem) me traz a certeza que não vou desistir tão fácil hoje.

Toxicity (System of a Down) termino cantando (ou melhor, berrando), no pico da chuva.

Estou de fato perto do fim, e já em outra dimensão.

In The End (Linkin Park). Já não mais importa.

It's the End of the World (REM). "And I feel fine...".

E a contemplação final.

Time of Your Life (Green Day).

E a música tema do filme Carruagens de Fogo.  Essa foi feita para se cruzar linhas de chegada.

Duas Horas. Trinta e Nove Minutos. 10 segundos.

Maratona de Florença, 26 de Novembro de 2017.

Trilha Sonora completa no Spotify.

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